sexta-feira, 6 de junho de 2014
O escriba, que havia sido obrigado a escrever por
dinheiro para sobreviver desde sua saída do palácio, olhou para o servo com
interesse.
- Como faríamos isso?
O servo apontou para a flor.
- Quero que use sua habilidade com as tintas e
pinte as pétalas dessa orquídea de preto.
O escriba franziu as sobrancelhas ao olhar o servo
e analisou a planta.
- Sim, é possível fazer isso, mas, quando
crescerem novas flores, elas não serão negras e você será descoberto.
- Quando crescerem novas flores, você e eu
estaremos a muitos quilômetros daqui, vivendo como o príncipe a quem sirvo -
respondeu o servo.
O escriba balançou lentamente a cabeça enquanto
pensava na proposta.
- Volte aqui ao cair da noite e você terá sua
orquídea negra.
O servo voltou para casa e pediu à es- posa que
arrumasse seus escassos pertences. Prometeu-lhe que, depois, ela poderia comprar
o que seu coração desejasse e que ele daria a ela um lindo palácio, muito longe
dali.
Naquela noite, ele voltou à loja do escriba e
perdeu o fôlego de alegria ao ver a orquídea negra sobre a escrivaninha.
Observou as pétalas e viu que o escriba havia feito um excelente trabalho.
- Está seca - comentou o escriba - e a tinta não
sairá nos dedos de quem quiser tirar a prova. Eu mesmo testei. Teste você.
O servo testou e viu que seus dedos não ficaram
sujos de tinta.
- Mas não sei dizer quanto tempo irá durar. A
umidade da própria planta molhará a tinta. E ela nunca deve ser exposta à chuva,
é claro.
- Está boa o suficiente - afirmou o servo, pegando
a flor. - Estou indo para o palácio. Encontre-me às margens do rio à meia-noite
e lhe darei sua parte.
Na noite de seu casamento com a princesa, e depois
de haver compartilhado seu dia de felicidade com o reino, o príncipe entrou em seus aposentos
privados.
A princesa estava no terraço, olhando o rio
Chaopraya, que ainda estava iluminado com os reflexos dos fogos de artifício
disparados para celebrar sua união com o príncipe. Ele foi para perto
dela.
- Meu único amor, tenho algo para você. Algo que
representa sua raridade e perfeição.
Ele lhe entregou a orquídea negra, que estava
dentro de um pote de ouro sólido enfeitado com joias.
A princesa olhou a flor e as pétalas negras como a
noite, que davam a impressão de sofrerem sob a pesada cor produzida por sua
espécie. A planta parecia cansada, murcha e malévola com sua escuridão
antinatural.
Porém, ela sabia o que estava segurando, o que
significava e o que ele havia feito por ela.
- Meu príncipe, é primorosa! Onde a encontrou? -
ela perguntou.
- Procurei pelo reino, de uma ponta a outra. Tenho
certeza de que é única, assim como você.
Ele olhou para ela, com todo o amor que sentia
brilhando em seus olhos.
Ela viu aquele amor e acariciou delicadamente o
rosto dele, esperando que ele soubesse que era correspondido e que sempre
seria.
- Muito obrigada, é linda.
Ele agarrou a mão dela em seu rosto e, ao beijar
seus dedos, foi tomado pelo desejo de possuí-la por inteiro. Era noite de
núpcias e ele havia esperado um longo tempo por isso. Tirou a orquídea das mãos dela, a apoiou no terraço,
abraçou a princesa e a beijou.
- Venha para dentro, minha princesa - ele murmurou
em seu ouvido.
Ela deixou a orquídea negra no terraço e o seguiu
até o quarto. Um pouco antes do amanhecer, a princesa se levantou e saiu para
dar bom-dia à primeira manhã da nova vida dos dois. Ela viu, pelas poças rasas,
que havia chovido durante a noite. O novo dia estava nascendo, o Sol ainda
estava meio escondido pelas árvores do outro lado do rio.
No terraço, havia uma orquídea rosa e magenta, no
mesmo pote de ouro que o príncipe entregara a ela. A princesa sorriu e tocou as
pétalas da flor, agora limpas e saudáveis por causa da chuva, muito mais bonita
do que a mesma orquídea negra que o príncipe dera para ela na noite anterior. Um
suave tom de cinza tingia a poça ao redor dela.
Por fim, ao entender o que acontecera, ela pegou a
flor e cheirou seu divino per- fume, ponderando sobre o que fazer. Era melhor
contar uma verdade para ferir ou uma mentira para proteger?
Alguns minutos depois, ela voltou para o quarto e
se aconchegou novamente nos braços do príncipe.
- Meu príncipe - ela murmurou enquanto ele
acordava -, a orquídea negra foi roubada durante a noite.
Ele se sentou de repente, horrorizado, pronto para
chamar os guardas. Ela o acalmou com um sorriso.
- Não, meu querido, eu acredito que ela nos foi
dada apenas por uma noite, a noite em que nos tornamos um só, quando nosso
amor floresceu e nos tornamos parte da natureza
também. Não podíamos presumir que ficaríamos com algo tão mágico só para nós...
E, além disso, ela iria murchar e morrer... E eu não aguentaria.
Ela pegou a mão dele e a beijou.
- Vamos acreditar no poder dela e saber que sua
beleza nos abençoou na
primeira noite de nossa vida juntos.
O príncipe pensou por alguns instantes. Depois,
como amava a princesa com todo o seu coração e estava feliz por ela agora ser inteiramente dele,
não chamou os guardas.
À medida que ele envelheceu e a união deles se
provou bem-sucedida e abençoada com uma criança concebida naquela noite, e
muitas outras depois, ele acreditou por toda
a vida que a mística orquídea negra lhes havia
emprestado sua mágica, mas não pertencia a eles.
Na noite depois do casamento do príncipe com a
princesa, um pobre pescador estava sentado nas margens do Chaopraya, a algumas
centenas de quilômetros do palácio real. A linha de pesca estava vazia havia
duas horas. Ele se perguntava se os fogos de artifício da noite anterior haviam
espantado os peixes para o fundo do rio. Não pegaria nada para vender e sua
família passaria fome.
Conforme o Sol subia acima das árvores da margem
oposta para jogar sua luz abençoada sobre a água, ele viu alguma coisa brilhar
entre os restos de algas verdes que flutuavam pelo rio. O pescador deixou a vara
e entrou na água para pegá-la. Agarrou-
a antes que flutuasse para longe e puxou um objeto
coberto de algas para a margem. Ao remover as algas, que visão! Um pote feito de
ouro sólido, decorado com diamantes, esmeraldas e rubis!
Esqueceu-se da vara, guardou o pote em sua cesta e
partiu para o mercado de joias na cidade, sabendo, com o coração transbordando
de felicidade, que a família nunca mais passaria fome.
Marcadores:Lucinda Riley
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